segunda-feira, 20 de abril de 2009

Adestrar para quê?


Uma pergunta que costuma ser feita por aqueles que começam no BDSM é essa: para que serve, afinal, o slave training? O que essas pessoas querem saber é, por exemplo, se a mulher que se submete a um conjunto de sessões de adestramento pode modificar sua disposição, passando de não submissa a submissa.
A resposta honesta é não. A disposição de submissão, seja esta afetiva ou sexual, é parte do conjunto de características psíquicas que uma pessoa traz de toda a sua história de vida. É parte da forma como essa pessoa encara o mundo, não um aprendizado como outro qualquer.
É verdade, porém, que a disposição de submissão pode existir em estado de latência naquelas pessoas que não se julgam submissas e que até mesmo se rebelam ante a idéia de serem dominadas sexual e afetivamente. Assim, por exemplo, com frequência não desprezível mulheres fortes e voluntariosas experimentam prazer intenso e profundo, até então inédito em suas vivências, ao se deixarem dominar num relacionamento, sendo necessário, claro, que esse relacionamento siga os requisitos básicos de consensualidade, segurança e sanidade.
Isso ocorre, como o demonstram a psicologia e a psicanálise, porque a submissão é um dos pilares fundamentais da estrutura da sexualidade e da afetividade feminina (o que não significa que seja a única ou a mais válida delas; do contrário, não haveria mulheres dominadoras que sentem prazer em o serem). De fato, a adoção de um comportamento passivo na cama pela mulher, que retira prazer da passividade ao ser usada para o prazer de seu companheiro, é já uma forma de submissão, sendo inviável contestar essa constatação fatual.
Essa passividade sexual prazerosa para a mulher é, como sabemos, muito comum, o que mostra a raiz profunda da submissão na estrutura da sexualidade e afetividade femininas. Claro está que nem toda passividade na cama evolui para formas mais elaboradas de submissão, havendo mesmo mulheres que, após a relação sexual em que foram prazerosamente subjugadas e usadas, querem uma convivência normal, que inclui voz ativa e a reivindicação de não obedecerem senão à sua consciência na condução de suas vidas profissionais e pessoais.
Tais mulheres são submissas? Seguramente o são, em essência, embora optem por fixar os limites de sua submissão, o que será sempre um direito que lhes deve ser reconhecido em qualquer relacionamento ético. Em razão disso, por exemplo, a mulher que não gosta de uma determinada intensidade de dor física deve dizê-lo e ser respeitada nesse gosto por aquele que a domina.
Para quais mulheres, então, serve o slave training? Eu diria que ele serve a todos os tipos de mulher que já reconheceram dentro de si uma inclinação a se comportarem como submissas. Serve inclusive àquelas mulheres que, num dado momento, querem apenas ser subjugadas e usadas sexualmente em sessões/relações sexuais, uma vez que a submissão, ao contrário do que se imagina, não e uma tendência ou inclinação que vem pronta; ela é aperfeiçoável, tanto o quanto o é qualquer outra prática sexual, seja ou não do tipo D/s.
É no slave training, quando conduzido com seriedade, que a mulher pode descobrir, numa prática pedagógica seguida com método e respeito, até onde vai a sua disposição de se submeter. Neste sentido, o slave training é muito mais seguro para a mulher do que se entregar em submissão a um dominador que pode lhe exigir mais do que ela está disposta a dar, causando-lhe prejuizos, ou menos do que ela gostaria de ceder, trazendo-lhe insatisfação e frustração. O ideal é que no slave training a mulher se libere e se conheça, preparando o terreno para saber que tipo de relacionamento deseja.
Uma última pergunta pode surgir: e se o dominador se dispuser, ele próprio, a fazer o slave training? Isso é válido? É possível, sem dúvida, mas arriscado. Neste caso, o dominador não estaria realizando dominação e sim adestramento. O problema é que a relação D/s teria que ser, por assim dizer, interrompida, pois o adestramento supõe que a submissa tenha uma ampla possibilidade de se descobrir, o que demanda tempo e paciência, além de exigir que seja seguido o seu ritmo, não o dominador. Isso pode desagradar a alguns dominadores, se eles tiverem expectativas de domínio imediato.
Desnecessário dizer que a maior parte dos dominadores, sobretudo os que estão se iniciando, julga-se capaz de adestrar sua submissa. Mas justamente por serem iniciantes, isso pode não ser verdade. Surge então a alternativa do slave training, que geralmente é procurado pela mulher que se descobre submissa e tem o bom senso de buscar um caminho de aprendizado antes de se entregar, garantindo assim maiores e melhores possibilidades de obter tudo o que a relação dá.

2 comentários:

  1. Um texto interessante... Assunto que gera polêmica, mas que está enrraizado em nosso inconsciente...


    Beijos!

    Obrigada por seu carinho em meu blog.

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  2. Olá! Sou casado a 18 anos e não creio eu seja um dominador, na verdade eu tenho alguns traços bem passivos. Minha mulher também possui traços passivos, muito mais do que eu. Nós temos uma vida sexual bastante satisfatória, mas me pergunto se poderíamos tirar mais de nosso relacionamento se eu aprendesse a tirar mais proveito, para ambos, da passividade dela. A muito tempo atrás eu tentei faze-la tomar a iniciativa e foi bem frustrante. Desde então tenho tomado mais a iniciativa e por conta disso nossa vida sexual melhorou sensivelmente. Mas mesmo assim tudo tem sido de modo meio desajeitado. Eu não sou realmente um dominador e nem sei dizer se ela realmente é uma submissa. Como faço para fortalecer minhas características dominadoras(não são muitas, mas não me sinto desconfortável no papel) e como faço para saber se ela é realmente submissa, e como realçar estas características. Pergunto à você, pois seu artigo estava muito bom e pude identificar nele alguns pontos que caracterizam minha esposa. Se tiver algum livro para indicar ou outro conselho vou ser muito grato! Sem mais! VelhoRetrato(velhoretrato@gmail.com

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